“Se o peixe é fresco, que seja bem-vindo”
Fale um pouco de sua formação, das empresas que trabalhou e como se tornou um dos grandes chefes do Brasil?
Meu pai tinha um hotel na Itália e desde pequeno comecei mexendo na cozinha, quando tinha por volta de 7 anos. O chef me fazia descascar cebolas para ter o prazer de me ver chorar mas eu não desisti, continuei sempre procurando aprender. Mas naquela época a minha paixão não era a Cozinha, mas a Confeitaria, para onde só fui aos 12 anos. Logo depois entrei para a escola de hotelaria e me formei em três anos. Naquela época eram pouquíssimas as escolas de hotelaria na Itália e a maioria delas só atendia pessoas da região. Depois de formado comecei a viajar por toda a Itália até que há cerca de dez anos a Cipriani Veneza e logo em seguida, fui escolhido para a abertura do Cipriani Rio.
Como foi a inauguração do Cipriani?
Eu achei que encontraria o restaurante pronto, mas na verdade, cheguei durante a obra. Não houve tempo de fazer o treinamento básico da equipe e por isso fizemos um soft openning, recebendo um pequeno número de clientes por dia e o treinamento foi realizado com o restaurante aberto. A responsabilidade de manter o nome Cipriani era enorme, mas como o meu gerente da Itália me deu uma força e disse que eu tinha capacidade, encarei o desafio.
Como manter um padrão de cozinha internacional com as dificuldades Operacionais existentes em Hotéis de grande porte? Ou seja, estoques, fornecedores, fluxo de hóspedes, etc?
Bom, os problemas são tantos, todo dia... Por exemplo hoje, dois funcionários não vieram trabalhar. Isso acontece, não sempre, mas muitas vezes por ano. Embora a gente esteja acostumado com isso, dá um transtorno na operação. Agora no sentido de fornecedores, de hóspedes etc, o Cipriani é uma ilha dentro do Copacabana Palace. É totalmente independente do restante do hotel. Tanto é que aqui se produz 100% do que se vende. A gente compra a matéria prima e inicia trabalhando até o produto final. Isso faz com que a qualidade seja melhor e continuamos cada vez mais a melhorar a qualidade. Também somos independentes porque temos a padaria, confeitaria, todas as câmaras frigoríficas que não tem nada a ver como o Hotel. Meus fornecedores são escolhidos por mim, assim como todos produtos que eu uso.
Quantos chefes e quantos funcionários de apoio são necessários?
Tenho 16 funcionários, que compreendem confeitaria, que são 3 confeiteiros e 3 cozinheiros. Um desses é meu braço direito, meu sub-chefe, é um restaurante que funciona todo dia, aberto 365 dias por ano, aí tem as dificuldades. Às vezes se pode achar que é uma equipe muito grande, mas quando se percebe que há férias, folgas, faltas etc, é um número de pessoas muito apertado para esse tipo de trabalho. Mas, a gente consegue, temos meninos responsáveis que não tem maus hábitos e não costumam sobrecarregar o colega, com suas faltas.
Hoje o requinte da cozinha ainda exige uma grande importação de ingredientes ou é possível explorar a riqueza brasileira na criação dos pratos?
Eu ainda importo bastante, não posso negar. Por alguns motivos. Primeiro, porque ainda alguns produtos brasileiros não estão à altura do produto importado. Segundo porque ainda não existe o produto. Terceiro, minha cozinha é italiana. Daí a diferença da francesa, que tem colônias no mundo todo e pode explorar mais coisas. Aqui tenho que manter a cozinha mais clássica italiana. Mas em nosso cardápio eu sempre coloco um prato feito por mim com produtos brasileiros.
O que acha do movimento de produção de alimentos orgânicos – aqueles produzidos sem agrotóxicos – e quais as dificuldades tem para utilizá-los?
Hoje em dia temos uma boa entrega para esse tipo de produto, mas ainda o cliente não está pedindo. Por um lado eu sou meio desconfiado se são orgânicos, certificados ou não, porque, para ser orgânico para mim, tem que ser longe de uma atmosfera que não seja poluída. Porque não adianta você não colocar agrotóxicos se está num bolsão de poluição, por exemplo, em volta de São Paulo, chove e vem com toda aquela poluição ou, no caso do Rio, se você cultiva lá na Baixada, mas você está perto de uma poluição muito grande e o rio que você está tirando a água é poluído. Para mim, por um lado é ótimo, mas por outro acho uma contradição.
Que sugestões daria para um profissional de hotelaria que queira trabalhar numa equipe desse padrão?
A primeira coisa que me aborrece é quando alguns pais, amigos ou mesmo a pessoa que diz “ Eu fiz um curso de 6 meses lá fora eu sou um chef”. Ninguém é chef quando vai lá fora. Não existe uma escola de chef. Existe uma escola que lhe faz aprender as noções de trabalhar na cozinha. Quando se ganha um diploma da escola você ganha autorização de trabalhar no tal setor. Nenhuma escola deixa você chef de cozinha. Chef precisa de vivência de tantos anos de trabalho, então você pode ter alguns mais velhos, outros mais jovens, mas tem alguns que nunca vão virar chef. Porque, podem ser ótimos cozinheiros, mas não tem a capacidade de ser chef. Às vezes, o chef cozinha pior do que o cozinheiro, porque o chef, hoje em dia, é um gerente que tem que ficar atento ao custo, ter liderança sobre seus funcionários, liderança com os clientes, procurar fornecedores, testar receitas, criar receitas, é um monte de coisas, e ser sempre cobrado pelo custo da cozinha. Aí a gente tem de ser um bom administrador. Porque não adianta ser um ótimo chef, mas não trazer lucro para o dono.
Um prato para o verão carioca:
O brasileiro gosta mesmo no período quente de comer coisas pesadas. Então sempre tem a feijoada do sábado, que não sou eu que faço. Meu cardápio é variado, mas quando chega a um determinado ponto fica mais “magro”. Mais magro não pelo número de pratos, mas nas gorduras. Embora eu use sempre gordura não cozida. Uso muito azeite extra-virgem e pouquíssima manteiga, mas os dois sempre crus. Nunca fritos. Isso ajuda a não dar problemas a saúde. Então no verão, recomendo muitos líquidos, muita alface, muitos legumes, todos os possíveis e imagináveis, menos carne – apenas uma vez por semana – e comer muito peixe. O Brasil tem um mar lindo, que tem muita coisa, não precisa comer peixe muito caro. Aqui tem peixes baratos que são discriminados. Dizem “é peixe de botequim disso, daquilo” mas, se é peixe fresco, que seja bem-vindo.